Uma das especializações do nosso escritório situa-se no âmbito do direito das sucessões. Somos contactados com alguma frequência por clientes devido à morte de um familiar em Portugal ou na Alemanha. Outras vezes, a questão é a procura do melhor aconselhamento na partilha dos seus bens, quer por doação, quer por testamento.
Tanto o direito internacional privado português como o alemão, determinam que o direito das sucessões se rege pela nacionalidade do falecido. Isto significa que, no caso do falecimento de uma pessoa de nacionalidade portuguesa, se aplicam sempre as leis portuguesas, independentemente de a mesma ter vivido em Portugal ou em qualquer outro país do mundo.
Nesta edição do Portugal Post, darei aos nossos caros leitores uma primeira indicação referente aos procedimentos administrativos a serem efectuados em caso da morte de um familiar em Portugal ou na Alemanha. Nos próximos artigos irei debruçar-me sobre outras questões importantes do direito das sucessões, como por exemplo, os direitos dos herdeiros na partilha, formas de testamentos, impostos a pagar, etc.
No caso de falecimento de uma pessoa de família em Portugal, os procedimentos mais importantes a serem cumpridos são os seguintes: Verificada a morte, a conservatória do Registo Civil da área em que o óbito tiver ocorrido, terá de ser avisada no prazo de 48 horas. A declaração deverá ser efectuada, em princípio, pelo parente mais próximo do falecido que esteja presente na ocasião do falecimento. Em caso de ausência de uma tal pessoa, esta obrigação passará para os outros familiares que estiverem presentes.
Além do Registo Civil, também as Finanças terão de ser informadas do falecimento do autor da herança. Esta obrigação deverá ser cumprida pelo cabeça de casal até ao final do terceiro mês após o falecimento. Na respectiva repartição de finanças terá de ser preenchido um modelo oficial no qual, entre outros dados, se terá de identificar os beneficiários e indicar os bens transmitidos.
Os documentos mais importantes para se poder fazer valer os direitos da herança, são a certidão de óbito e a habilitação de herdeiros.
A certidão de óbito pode ser requerida por qualquer pessoa na conservatória do Registo Civil em Portugal ou no consulado português na Alemanha. Sendo a certidão de óbito que comprova a morte do falecido, a habilitação de herdeiros documenta a qualidade do mencionado como herdeiro. A habilitação tanto pode ser efectuada por um notário, como ser uma decisão judicial (com os mesmos efeitos). A habilitação é necessária, a título de exemplo, para se ter acesso às contas bancárias ou para se vender terrenos do falecido.
O óbito de uma pessoa portuguesa com domicílio na Alemanha, terá de ser comunicado à conservatória do Registo Civil (Standesamt) que emitirá uma certidão de óbito internacional. As entidades alemãs comunicarão o falecimento ao consulado português da área, sem serem necessárias quaisquer medidas por parte dos familiares do falecido. Contudo, estes terão de dirigir-se ao consulado português se desejarem que o corpo seja transladado para Portugal. A obrigatoriedade de as finanças portuguesas serem informadas sobre o óbito, persistirá igualmente se o falecido com domicílio na Alemanha possuir bens em Portugal.
São inúmeras as razões para se proceder à regulação do seu próprio testamento. Muitos autores da herança pretendem poupar trabalhos administrativos ao seus herdeiros ou evitar conflitos entre os descendentes, efectuando de antemão uma partilha inequívoca dos seus bens. Outros ainda, desejam expressar a sua gratidão a familiares ou amigos que lhes tenham dado um apoio especial enquanto foram vivos.
Na última edição do Portugal Post, chamei já a atenção dos leitores para o facto de o direito sucessório a ser aplicado se orientar pela nacionalidade do autor da herança e de a respectiva legislação portuguesa ser portanto a que deverá ser posta em prática, mesmo que a pessoa em causa viva na Alemanha. Se o autor da herança não deixar testamento, a lei designará os herdeiros. O direito português fixa uma hierarquia sucessória. Se, no dia da morte, existirem descendentes e o cônjuge do testador, os ascendentes ou os irmãos do falecido já não terão direito a qualquer herança. Neste caso, o património será dividido entre o cônjuge e os descendentes.
Reparese que, nos termos do direito de família, o cônjuge já receberá a metade dos bens comuns do casal. A outra parte dos bens comuns e os bens próprios do autor da herança serão divididos entre os descendentes e o cônjuge. Se o cônjuge já não for vivo, a partilha será efectuada somente entre os filhos. A partilha entre o cônjuge e os filhos far-se-á por cabeça, sendo o património dividido em partes iguais. Está, porém, garantida ao cônjuge uma quota mínima de 25 %.
No caso de falecimento de um dos filhos antes do testador, a parte sucessória desse filho passará para os seus descendentes. O autor da herança poderá modificar estas prescrições através de um testamento. Terá desta forma a possibilidade de, no contexto dos regulamentos do direito sucessório português, legar a determinados herdeiros mais do que a quota que lhes compete, ou de deixar bens a pessoas que, por lei, não teriam direito a qualquer herança. Como o direito alemão, a legislação portuguesa prevê igualmente uma protecção especial dos herdeiros legais.
A deserdação total por testamento só será possível por motivos graves. A título de exemplo, se o herdeiro legal tiver sido condenado por denúncia caluniosa contra o autor da herança ou o seu cônjuge, ou contra outros familiares previstos por lei. Se não persistir tal caso, terá de ser transmitida aos herdeiros legais, no mínimo, uma parte da herança (legítima). No que diz respeito ao resto da herança (quota disponível), o testador poderá dispor da mesma da forma que desejar. Quanto ao montante de tal quota, este dependerá do número de herdeiros legítimos que estejam vivos à altura do falecimento do autor da herança. Se for apenas o cônjuge, este terá direito à metade da herança.
O testador poderá legar a outra metade a quem desejar. Para além destas formas de constituição de testamentos, existem ainda muitas outras possibilidades de regulações testamentárias no direito sucessório português que, por razões de espaço, não podemos descrever neste artigo e que, para além disso, terão igualmente de ser estudadas relativamente a cada caso em si.
Um testamento poderá ser feito por portugueses na Alemanha, tanto para os bens que possuam em Portugal como aqui. Será, porém, absolutamente indispensável que sejam observados todos os preceitos notariais, sendo para tal conveniente que se consulte um advogado especializado no direito sucessório português.
Na edição de Janeiro da Portugal Post tinha já descrito quais os órgãos oficiais a serem contactados em Portugal e na Alemanha, em caso de falecimento de um familiar. Chamei igualmente a atenção para os vários procedimentos administrativos a serem efectuados.
No artigo de hoje tratarei dos direitos e deveres dos herdeiros entre si. De acordo com o direito português, será condição essencial para que alguém se torne herdeiro, que a herança transmitida por lei ou por testamento seja aceite pelo mesmo no prazo de 10 anos. A aceitação poderá ser efectuada por escrito, não sendo porém absolutamente necessário fazê-lo.
Também será possível proceder-se à aceitação por comportamento correspondente, como seja, a título de exemplo, ir morar para a casa herdada. Contudo, ao aceitar uma herança, o herdeiro deverá ficar ciente de que só poderá aceitar a totalidade da mesma. Não será possível aceitar apenas os bens e recusar as dívidas. Além disso, a aceitação da herança é irrevogável.
Para se tomar esta decisão, será igualmente importante saber-se que só se será responsável pelas dívidas que possam ser saldadas através dos bens herdados. A fim de se poder comprovar o efectivo dos bens face aos credores da herança, persiste a possibilidade de uma aceitação a benefício de inventário, através da qual se efectuará uma relação dos bens herdados.
Para além da aceitação, poder-se-á igualmente proceder a um repúdio da herança. Este também é irrevogável e, ao contrário da aceitação, terá de ser efectuado por escrito. Se, por exemplo, existirem terrenos, será obrigatória a realização de uma escritura pública. Logo que a herança tenha sido aceite, terá de se proceder à sua administração.
Tal caberá ao cabeça-de-casal, cuja nomeação é prescrita por lei na forma já referida em artigos anteriores. O cabeça-de-casal deverá entrar em contacto com a repartição de finanças, administrar um negócio existente, representar os herdeiros no tribunal, etc. Para estes actos, poderá ser apoiado por especialistas na respectiva matéria que serão remunerados através dos bens herdados.
A partilha da herança poderá ser efectuada extrajudicialmente, através de acordo entre os herdeiros, ou por intervenção dos tribunais. Em determinados casos, como os de terrenos que pertencem ao espólio herdado, a partilha por comum acordo terá de ser efectuada por escritura pública. Será necessário proceder-se a uma partilha judicial, sempre que os herdeiros não cheguem a um acordo, ou nos casos previstos por lei (por exemplo quando um dos herdeiros for menor). Dado que um processo judicial é moroso, dispendioso e geralmente muito desagradável para as pessoas envolvidas, deveria tentar-se sempre chegar a um acordo extrajudicial.
Advogados Lars Kohnen e Miguel Krag
Kohnen & Krag Rechtsanwälte